domingo, 8 de março de 2009

Culinária da Bahia.


A culinária da Bahia mais conhecida (embora não a mais consumida) é aquela produzida no Recôncavo e em todo o litoral da Bahia — praticamente composta de pratos de origem africana, diferenciados pelo tempero mais forte à base de azeite de dendê, leite de coco, gengibre, pimenta de várias qualidades e muitos outros que não são utilizados nos demais estados do Brasil. Essa culinária, porém, não chega a representar 30% do que seus habitantes consomem diariamente. As iguarias dessa vertente africana da culinária estão reservadas, pela tradição e hábitos locais, às sextas-feiras e às comemorações de datas institucionais, religiosas ou familiares. No dia a dia, o baiano alimenta-se dos pratos herdados da vertente portuguesa, englobados no que se costuma chamar de "culinária sertaneja". São receitas que não levam o dendê e demais ingredientes típicos de origem africana, como ensopados, guisados e várias iguarias encontradas também nos outros estados, embora com toques evidentemente regionais (a utilização mais ou menos acentuada de determinados temperos numa dada receita, por exemplo). A predominância, no imaginário do brasileiro e nos meios de comunicação, da culinária "afro-baiana", deve-se muito ao fato de Salvador, a capital da Bahia, situar-se no litoral do Recôncavo, o que confere maior poder de divulgação para o saboroso legado africano da culinária regional. Ambas vertentes da culinária baiana, no entanto, ainda são praticadas de forma bastante espontâneas, carecendo de procedimentos mais sistemáticos de pesquisa e desenvolvimento. Há muita resistência a tentativas de estudos e aprimoramentos da comida legada por portugueses e africanos. Existem poucos chefs de cozinha dedicados à culinária da Bahia. Procedimentos mais coerentes com a moderna cozinha, contudo, já começam a aparecer, de forma esparsa, através de cozinheiros e cozinheiras mais informados das modernas técnicas gastronômicas, apontando perspectivas mais dinâmicas para a cozinha baiana. A primeira consequência dessas poucas iniciativas é o aparecimento de novas receitas, mais elaboradas, ainda mantendo fortes ligações com as matrizes portuguesa e africana mas incorporando também bases da culinária de outros países, principalmente aqueles banhados pelo Mediterrâneo.
Na
Bahia existem duas maneiras de se preparar os pratos "afros". Uma mais simples, sem muito tempero, que é feita nos terreiros de candomblé para serem oferecidos aos Orixás, e a outra, fora dos terreiros, onde as comidas são preparadas e vendidas pela baiana do acarajé e nos restaurantes, e nas residências, que são mais carregadas no tempero e mais saborosas.
Diz Afrânio Peixoto, historiógrafo, em seu livro "Breviário da Bahia", que " a Bahia é um feliz consórcio do melhor de Portugal - a sobremesa e a preferência pelos pescados, e da Costa da África - o óleo de dendê, com outros temperos e condimentos, e pimenta, muita pimenta benzendo tudo. (…) Pouca coisa do índio, que não tinha quase cozinha."


Pratos típicos:



Sobremesas:


Nordeste: Histórico da Culinária Baiana.

Assim que chegou aqui, o português cozinhava no estilo da sua terra, adotando um ou outro alimento nativo. Depois, com a negra na cozinha, entraram na comida os ingredientes africanos. O resultado, na Bahia, foi uma comida mais negra do que branca, porque ela cozinhava e ali desembarcavam, junto com os pratos, os de comer africanos. E não para os pretos, que eles não consumiam, por exemplo, o dendê, condimento caro demais para a boca de negro cativo.
Segundo Saint-Hilaire, eles comiam “fazendo cozer o fubá na água, sem acrescentar sal”, o que resultava em “uma espécie de polenta grosseira, que se chama angu e constitui o principal alimento dos escravos”. (Diz Luiz Câmara Cascudo: o mesmo matete de Angola, xima em Moçambique.) Um quarto de farinha e três libras e meia de carne salgada era tudo o que o escravo comia, e a quantidade devia durar dez dias. No mais eram obrigados a “comer uns matos”. Foi o excesso de mão-de-obra escrava e o declínio da indústria açucareira que possibilitaram a melhoria das condições de vida do escravo – lembra Darwin Brandão. O negro passou a ser admitido nos trabalhos de engenho e da casa-grande.
Quando a negra entrou na cozinha é que começou a influir na vida do branco, que já comia camarão seco e dendê, mas tinha cozinha pobre como inventiva. Edson Carneiro (em Ladinos e Crioulos, Editora Civilização Brasileira) diz: “O negro era a maioria da população. Assim ao lado da exploração agrícola, o senhor teve de criar entre a escravaria um corpo de artífices para a satisfação das suas necessidades: pedreiros, carpinteiros, ferreiros, oleiros, seleiros, colchoeiros, sapateiros, mecânicos... Em estágio posterior, foi-lhe preciso tirar do trabalho de campo negras costureiras, doceiras e cozinheiras. E, quando o comércio exterior se desinteressava dos seus produtos, e em conseqüência era grande o número de escravos ociosos, trazia boa parte deles para compor a criadagem nas cidades. A estes teve de ensinar a ler, de treinar em prendas domésticas e em boas maneiras, de preparar para as funções de confiança. Com a sua multiplicação, teve de alugá-los a estrangeiros e à burguesia sem escravos e, mais tarde, se viu na contingência de lhes permitir ganhar a vida por si mesmos, com a condição de lhe pagar uma pequena diária”.
Escolhidas entre as mais bonitas e agradáveis, as cozinheiras só começaram a mudar a cozinha por volta de 1750. Luís dos Santos Vilhena (Cartas de Vilhena, impressas na Imprensa Oficial, na Bahia, em 1922) informa que, por esta época, “das casas mais opulentas desta cidade” saem as negras de ganho, “oito, dez e mais, a vender pelas ruas a pregão, mocotó, isto é, mão-de-vaca, cururus, vatapá, mingaus, pamonhas, canjicas, isto é, papas de milho, acaçás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão de coco, angus, pão-de-ló de arroz, o mesmo milho, roletes de cana, queimados, isto é, rebuçados a oito por vintém, doces de infinitas qualidades, ótimos muitos deles, pelo seu asseio, para tomar por vomitórios”. O Senhor Vilhena ia mais longe: dizia ser impossível comer na Bahia, “onde a gentinha tomou conta das cozinhas com sua comida bárbara e desagradável até para os olhos”. Mal vista, a comida dos pretos minas ficou e tornou-se importante, vale mais que a cozinha do branco. E até o traje típico das minas virou uniforme de miss brasileira no exterior – o mais típicos dos nossos trajes. Mas o preconceito ficou.
Preconceito que ainda existe hoje como no tempo do Sr. Rui Barbosa, a quem perguntaram o que significava arroz-de-hauçá. E ele, muito senhor de si: “É uma corruptela de arroz de água e sal”. Não sabia que os hauçás formam uma nação (é o povo de Biafra, província que tentou a sua independência da Nigéria, há poucos anos). De qualquer forma, o certo é que todos os pratos baianos têm a marca do negro. No dendê, na pimenta, no prazer da mistura, na técnica, no amor que exige, na criatividade espontânea, no desmedido.
A cozinha africana, ou de santo, não é do dia-a-dia da mesa do baiano. No trivial entra sempre o dendê, muita pimenta, mas os pratos que fazem a honra e a glória da Bahia só figuram nos jantares melhorados, nos dias de festa, ou para receber gente de fora. Nos restaurantes também não é fácil comer a boa comida típica. E mais: o que toda gente chama de cozinha baiana devia ser chamada antes cozinha de Salvador, porque a cozinha africana está restrita à cidade de Salvador e à sua área de influência.
Darwin Brandão, baiano nascido no Espírito Santo, informa (Cozinha Baiana, Editora Letras e Artes) que “a partir da Feira de Santana, rumo ao sul, os pratos típicos de azeite-de-dendê desaparecem, dando lugar à comida sertaneja, mais pobre e mais simples. O mesmo ocorre na direção de São Francisco, a partir de Alagoinhas não se encontra mais a comida típica que tanta fama carreou para a Bahia”.
Roger Bastide (A Cozinha dos Deuses. SAPS, Rio), diz mais: que há um certo preconceito branco em relação à cozinha negra, mesmo na Bahia. E que a algumas senhoras baianas irrita muito fazer vatapá, caruru, efó, quando preferiam servir o stroganoff, que entrou errado no Brasil, continuou errado, mas tem (ou teve, até bem pouco tempo) uma posição invejável: a de prato mais servido nas reuniões de gente de bem, nos últimos dez anos.
O problema, também, é que é preciso ter dedo para fazer um bom prato baiano. O dedo, segundo Sodré Viana (Caderno de Xangô, Editora Bahiana), é o talento que permite às cozinheiras saber colocar a quantidade exata de tempero, medir o tempo exato de feitura, e não ligar muito para receitas e tabelas de cocção.
Gilberto Freyre (Açúcar, Livraria José Olympio) explica por que há poucos livros de cozinha no Brasil: culpa da maçonaria das mulheres, que guardavam os segredos das receitas em casa, passando de mãe para filha, de vez em quando para a afilhada, às vezes para a nora e de raro em raro para a comadre, na base da troca. E, mesmo assim, sempre ensinando pelo geral.
A baiana em particular, e a brasileira em geral, nunca foi de receita bem medida. E muita gente boa defendia a tradição, alegando que, assim, o feijão-de-leite com bacalhau ficava um na casa de Joaninha, e outro, tão bom mas certamente outro, em casa de Dona Flor, obrigada a pesquisar, a procurar, a trabalhar uma receita que ensinava tudo, menos as quantidades e o segredo.


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