sábado, 18 de abril de 2009

A violência nas Escolas.



Encontro-me com um grupo de professores da educação básica. O bate-papo é inicialmente informal e ameno. Aos poucos, porém, a conversa torna-se confragosa, crua e empedrouçada. Ouço, atento, o relato das dificuldades pedagógicas dos mestres, em sala de aula, sobretudo as relacionadas ao ensino e à aprendizagem da leitura, escrita e ortografia. Logo me incomoda a descrição da escola enquanto palco de situações de violência. A violência escolar nas escolas, públicas e privadas, é um problema pedagógico.Diretores e professores de escolas públicas me descrevem, apavorados, ocorrências de depredações dos prédios, casos de arrombamento de salas e laboratórios, ameaças e casos de detenções ou prisões e, não poucas vezes, situações de constrangimento e amedrontamento envolvendo pais, professores e alunos. Um professor me diz que a situação está tão grave que um puxão ou uma tapinha entre alunos, dentro ou fora da escola, já pode não ser sinal de uma simples brincadeirinha infanto-juvenil, mas de safanão que logo será desferido contra o colega de sala, a ser deflagrado com intenção de dano físico, moral e requinte de perversidade Agora, uma pergunta advém: em que a universidade pude ajudar as escolas públicas? Onde podemos encontrar, na Academia, respostas concretas para uma situação real e preocupante das escolas públicas?
Uma solução simplista, imediata e necessária é, decerto, o policiamento e a colocação de grades. Mas isso não basta. Quase sempre as medidas coercitivas e paliativas parecem reforçar, apenas, a violência escolar. São nas crenças, atitudes e reações dos mestres e na descrição do que se passa efetivamente na ambiência escolar que um novo olhar de todos nós, educadores, pais e poder público, deve ser proativo e, desde logo, vale começar por uma questão fundamental: de onde vem a violência? E, em seguida, levantar dúvidas do tipo: onde há a exclusão social se manifesta de modo mais acentuado a violência escolar? Onde as causas? Onde as soluções? As respostas que nos vem à consciência nos mostra que as escolas não ficam isoladas do contexto social uma vez que, realmente, estão muito próximas das famílias e da sociedade. A escola, para lembrar Louis Althusser, é o principal aparelho ideológico do Estado. As boas experiências de superação da violência escolar sairão, pois, do interior dos próprios estabelecimentos de ensino. Os gestores escolares sabem que medidas tradicionais como gradeamento, vigilância e policiamento, a médio ou longo prazos, não são suficientes nem atingem os pontos centrais do problema da violência escolar ou urbana. Se tomarmos, como referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei 9.394/96, ela, ao certo, dar-no-á pistas para uma resposta mais contumaz e convincente para a violência escolar. O artigo 22, da LDBEN, referindo-se à educação infantil, ao ensino fundamental e médio, estabelece que é tarefa das instituições de ensino assegurar aos alunos a formação para cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho, nos estudos posteriores e na vida. Agora, novos questionamentos: a escola tem cumprido esta missão? A escola tem se preocupado em formar os alunos para viver em sociedade, a saber-estar na vida social, ou tem se limitado a repassar conteúdos curriculares? Sei que nada disso é fácil. E a primeira tarefa é sairmos do discurso ou espírito da Lei e ingressarmos na ação concreta. Então, com o fim de colaborar nessa missão, eis algumas sugestões ou passos em direção ao que chamaria aqui de práxis cidadã. O primeiro passo para uma práxis cidadã, certamente, pode ser o de seguir alguns procedimentos de gestão participativa como, por exemplo, o de ouvir todos os segmentos envolvidos na comunidade escolar, em especial, os alunos. O segundo passo é o de explicitar as contradições existentes na escola. Um terceiro passo é o de trabalhar as contradições internas da escola para que, em quarto momento, possa propor melhorias para as relações humanas. Um quinto procedimento é o de organizar comissões para aprofundar as discussões sobre violência e sobre a segurança possível na escola, no bairro, na cidade. E, por fim, duas ações são fundamentais para uma escola com menos violência e mais cidadania: os gestores devem abrir as escolas para dentro e para fora, inclusive aos finais de semana, e fazer funcionar, sem medo, e efetivamente, as estruturas democráticas das escolas. A atuação de cada docente pode se materializar em projetos especiais nas escolas públicas. Como professor de língua materna, sem hesitação, montaria um projeto “ Ler Mais para uma Vida Melhor”. Sim, começar, pela leitura. Não é, por certo, um projeto original, mas, para o modelo de escola que temos no Brasil, não há dúvida de que há de ser inovador, um novo olhar sobre a problemática escolar. Um bom exemplo (e é bom imitar o que é bom) é o projeto Círculos de Leitura, do Instituto Fernand Braudel, com grande atuação em Diadema, São Paulo. O nome do Instituto é inspirativo: Fernand Braudel, um historiador francês e um dos mais importantes representantes da Escola dos Annales. Esta escola foi pioneira na abordagem de um estudo de estruturas histórias de longa duração nos eventos. Conhecer a história é, de alguma maneira, conhecer a geografia, cultura material, as mentalidades e a psicologia da época. Da mesma forma, conhecer a violência urbana ou escolar é algo que extrapola histórica, social e juridicamente a questão da segurança pública e nos conduz ao campo dos valores, crenças, maneira de pensar, disposições psíquicas e morais da coletividade. Pois bem. As atividades do Instituto começaram assim: um grupo de estudiosos da problemática social, ao conduzirem pesquisas de campo nas escolas públicas da periferia da Grande São Paulo, em 1999, documentaram a falta da prática da leitura, reflexão e debate no cotidiano da sala de aula. A partir do diagnóstico, desenvolveram uma política de apoio às bibliotecas escolares, através de mutirões e capacitação de voluntariado em parceria com a comunidade escolar. O método da Fundação Fernand Braudel é fantástico, por sua simplicidade e eficácia e, mais do que isso, por seus resultados. Eles trabalham com grupos pequenos e interativos de educadores pagos e voluntários que trabalham de forma interativa com grupos de 10 a 15 jovens. Com esta medida, o Instituto oferece melhores condições para o jovem dialogar e formar vínculos com outros alunos e professores. Outra interessante atividade é o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem a partir da leitura de temas universais e clássicos da literatura. Vale destacar que trabalham com obras literárias que trazem em suas histórias (e estórias) temas universais, com que o jovem pode se identificar, ampliando seu repertório cultural e relacionando suas experiências com relatos que sobrevivem ao tempo. Entre as atividades de lectoescrita, a Fundação faz um trabalho de desenvolvimento da leitura em voz alta e em grupo. A Fundação acredita, e isso é verdade, que para aquisição da capacidade cognitiva, alunos necessitam de instrução efetiva em cinco áreas: fonêmica, fonética, fluência, vocabulário e compreensão do texto. Em pequenos círculos, participantes se alternam lendo em voz alta e parando periodicamente para discutir sobre o significado dos trechos lidos. Ainda no campo da lectoescrita, os voluntários da Fundação Fernand Braudel desenvolvem atividades como produção textual para que o aluno reflita e escreva sobre o que foi lido e discutido em grupo. As redações desenvolvidas durante as sessões do Círculo são utilizadas para acompanhar o progresso de cada aluno e do grupo. Ao final de cada encontro, os participantes lêem e refletem sobre os conteúdos dos poemas e textos encontrados ou escritos por eles. Por fim, outras ações da Fundação, não menos significativas, são a participação voluntária do jovem, peça-chave para a construção de sua cidadania, e sua contribuição na melhoria das condições do espaço escolar. As atividades culturais também têm lugar na missão da Fundação. São elas que auxiliam no aprendizado do jovem e ampliar seu universo de referência cultural a partir das obras lidas, além de organizar atividades e passeios culturais, incluindo visitas a bibliotecas, parques e teatros. O que sei, depois de duas décadas de magistério, é que a privação da leitura interfere no desenvolvimento da personalidade dos alunos. Um sem-leitura é como um sem-terra sem a posse legal da terra em que vive e trabalha. Um aluno sem leitura não compreende os códigos lingüísticos e sociais e, o mais grave, não sabe interpretar, naquela visão paulofreiriana, a vida em sociedade. Não é à toa que um aluno sem-leitura é rechaçado e rechaçador, triste e deprimido, agressivo e angustiado, potencialmente um excluído do convívio social. Numa sociedade de informação, ler ou escrever bem é condição de superação da desigualdade social. A leitura vai além do repertório de palavras que brotam do alfabeto. Ler é compreender, interpretar, descobrir, criar e, sobretudo, desfrutar do reino do conhecimento.

Violência na escola, um problema social:


(Artigo sobre o massacre de Virginia Tech - Tiroteio em universidade mata 32 pessoas em Virgínia Patricia Botelho - Publicado em 23.04.2007).

A escola é uma instituição que objetiva cultivar relações que promovam o compartilhamento de conhecimento, gerando o ensino. Embora essa afirmativa pareça correta, outras pessoas fazem uso desse espaço para outros objetivos distantes do que se chama ensino.
Na segunda-feira, dia 16 de Abril de 2007, a escola tornou-se o cenário em que se desenrolaram atos violentos no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos. Um aluno sul-coreano protagonizou o que muitos denominaram barbárie, porque culminou na morte de 32 pessoas. Tal notícia conduz a questionamentos como: O que motivaria a prática da brutalidade? E porque o espaço escolar foi participante nesse processo?A sociedade permanece perplexa diante de manchetes como essas, mas não percebe que é co-participante na motivação desses atos violentos. Para discutir essa concepção, torna-se necessário fazer uma releitura do texto de Lília Lobo, intitulado “Crônica da escola assassinada” (Revista do Departamento de Psicologia da UFF, ano I, 1989), que revela como uma escola pode ao mesmo tempo ser assassinada e assassina.Incrível constatar que um texto escrito há 18 anos permanece atual, aplicável na discussão aqui pretendida. A imagem da escola como o cerne do saber, um lugar ideal e belo em que se cultivam valores éticos e igualitários tem sido manchada por constatações realistas de sua co-participação no processo de produção da violência. Nota-se que o sistema de ensino tem servido aos apelos da sociedade de classes, difundindo o discurso da dominação ao relegar ao aluno a restrição ao saber, ignorando o seu saber em função da imposição do “saber dominante”. Depois, dentro desse mesmo ambiente, falsamente democrático, os próprios alunos passaram a fazer as mesmas distinções presentes na sociedade ao reproduzir atos velados de preconceito (em diversos âmbitos, sobretudo financeiramente). Os atos discriminatórios tomaram corpo, contrariando a política social da igualdade, e a válvula de escape se manifestou por meio da violência.Cercear a discussão sobre a violência focando somente o aluno, que protagonizou ou que poderá protagonizar uma tragédia, seria perpetuar uma ignorância tamanha por não atribuir ao sistema escolar a parte que lhe cabe na promoção desse processo. As manchetes dos grandes meios de comunicação revelam a parte final do grande problema que está instalado nas escolas, como descrição de um diagnóstico. É preciso partir para o início do processo, percebendo onde estão os sintomas dessa doença, porque somente remediar está custando muito caro. Quem mais sofre com essa carência são os pais e os educadores comprometidos com seu papel, porque para outros, sobretudo a elite, tal diagnóstico favorece o discurso de dominação, em que o pobre permanece mais pobre e o rico, mais rico.A sociedade precisa refletir a respeito dos valores difundidos para a comunidade jovem, e a escola tem que servir como meio que gera o conhecimento compartilhado, não servindo mais como propaganda da violência, a começar pelo âmbito ideológico, favorecendo a distinção de classes. A escola precisa ser um ambiente que promova valores necessários, como o respeito, e o professor precisa trabalhar a favor do ensino, se reconhecendo como parte desse desenvolvimento e não como seu ponto fundamental. Assim, o aluno passará a perceber que é detentor de saberes necessários ao desvelar educativo, trabalhando como parceiro daquele que tem por função dividir e promover o ensino em vez de impor.

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