A conquista e a reconquista da Bahia:
Encerrada em 1621 a trégua de 12 anos (1609-1621) entre as Províncias Unidas e o Reino da Espanha, a diretoria da recém fundada Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (lançada em 23 de junho de 1621, com um capital de 7 milhões de florins), decidiu-se ir a luta. Imaginaram um plano ambicioso para dominar o Atlântico Sul. Atacar alguma cidade da costa brasileira e uma outra da costa africana, ambas então em mãos da coroa espanhola. Acendia-se com isso o antigo ódio teológico que enlaçava calvinistas e católicos que agora, com a crescente mercantilização do mundo, se desdobrava em rivalidade comercial e econômica. O cenário desse grande embate entre holandeses e espanhóis, que iria se entender por quase o século XVII inteiro, era o mundo todo. Mas inicialmente os diretores da Companhia selecionaram o Atlântico Sul.
Durante algum tempo a diretoria da Companhia oscilou entre ocupar Pernambuco ou Salvador, até que se decidiram enviar uma poderosa esquadra para a baía de Todos os Santos. De fato, ela era um soberbo logradouro natural para os barcos que vinham da grande travessia do Atlântico. A localização da cidade de Salvador, capital do Brasil colônia desde sua fundação por Tomé de Souza em 1549, fazia dela o ponto ideal para a articulação comercial com Luanda na costa de Angola, do outro lado do Atlântico, como também dali facilmente atingia-se as demais capitanias do Nordeste e as do Sul do Brasil. Com a ocupação daqueles dois portos, o de Salvador e o de Luanda, os holandeses pensavam em controlar todos os vértices do comércio triangular açucareiro.
As Províncias Unidas detinham as principais empresas de refino do açúcar, o Nordeste produzia a cana-de-açúcar, enquanto de Luanda vinham as cargas de escravos para labutarem nos engenhos brasileiros. Salvador, que aquela altura não tinha mais de mil e quatrocentas casas erguidas, fora as igrejas e mosteiros, não tinha, contando seus arredores, uma população superior a 50 mil habitantes, número suficiente para que uma guarnição não muito numerosa de soldados holandeses pudesse dar conta. Portanto o assalto àquela cidade fazia com que, como enfileirou Joaquim Veríssimo Serrão: 1º) possibilitasse o passo decisivo para a conquista inteira do Brasil; 2º) enfraquecesse o comércio ibérico em geral, especialmente no Atlântico Sul; 3º) fizesse de Salvador o ponto chave, a sustentação estratégica do comércio holandês com as Índias, servindo como escala das frotas que cruzavam o oceano em direção ao Índico. E, segundo também circulou a boa pequena naquela época, usar os caminhos internos do Brasil para chegar às minas de prata do Potosi, nos Andes bolivianos (idéia que só poderia decorrer da falta de exatidão das informações geográficas que os holandeses dispunham então).
A grande frota holandesa de 24 barcos, 3.300 homens e mais de mil canhões, não poderia deixar os portos das Províncias Unidas sem despertar suspeitas. Imediatamente as autoridades ibéricas souberam que o seu destino era a costa do Brasil. Mas qual das cidades? Que porto haveria de atacar? Mandaram pois avisos a todos. O governador-geral do Brasil, Diogo Mendonça Furtado, há três anos no cargo, tomou os providenciamentos possíveis. Reforçou os muros, acelerou a construção de um pequeno forte sobre uma laje em frente a Salvador, e alertou a quem pode. No dia 8 de maio de 1624, os navios inimigos todos embandeirados, e com os canhões pintados de vermelho forte, flanaram pela baía de Todos os Santos a dentro. No seu comando vinha o almirante Jacob Willekens, mas quem iria brilhar na conquista de Salvador era o seu segundo, o almirante Piet Heyn (que mais tarde, em 1628, iria se celebrizar pela captura em Cuba de uma frota espanhola inteira carregada com prata mexicana). No dia seguinte, no 10 de maio, os holandeses, comandados pelo coronel van Dorth, depois de terem disparado umas canhonadas, desembarcaram suas forças e, para completa surpresa deles, quase não encontraram resistência.
Apesar do governador Mendonça Furtado ter disposto bem as tropas para a defesa, o incêndio dos navios lusos que estavam ancorados e os estrondos dos pelouros lançados pelas canhonadas dos holandeses, provocaram o pânico entre as milícias. Mal viram os fuzileiros batavos desembarcar, saíram em disparada para os matos vizinhos sem sequer disparar um só tiro. O governador tentou entrincheirar-se no Palácio mas foi inútil. A partida do bispo D. Marcos Teixeira na noite anterior, desfizera qualquer esperança de resistência de parte da população restante. Cegos de medo, como observou o Padre Vieira, "não vendo quanto se infamavam a sai e a todo Portugal, desampararam totalmente a cidade, fugindo cada um por onde pode, deixando todos suas casas e fazendas, e muitos, para mais ligeireza, as próprias armas" - tomados pelo "pavor etiam auxilia formidat" (Carta ao Geral da Companhia de Jesus, em 26 de setembro de 1626). O governador, juntamente com o seu filho e mais alguns oficiais, foram aprisionados pelos holandeses e mandados para bordo dos navios que estavam ancorados ao largo. Em seguida remeteram a Mendonça Furtado preso para as Províncias Unidas.
Enganaram-se os diretores da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ao estimarem de que não haveria grande reação de parte dos reinos ibéricos caso a Bahia fosse tomada pelos holandeses. Ao contrário, uma frêmito de indignação percorreu as cortes de Lisboa e de Madri. O Rei Felipe IV, tão insultado se sentiu que chegou a dizer publicamente que gostaria de ir pessoalmente ao Brasil para reparar o agravo sofrido. Foi o que bastou para que inúmeros cortesãos se oferecessem para irem em seu lugar. O mesmo deu-se em Portugal. Mais de cem integrantes da fidalguia lusitana se apresentaram para ir resgatar Salvador. E assim foi feito. Uma poderosa esquadra, liderada por Dom Manuel de Menezes, singrou as águas com destino às ilhas do Cabo Verde, local onde faria a junção com a Armada espanhola do generalíssimo Dom Fradique de Toledo y Osorio.
No total contavam com 52 navios, 12.566 homens e 1.1.85 canhões. Tratou-se da maior esquadra até então posta em ação no Atlântico Sul, somente superada em número pela fracassada Invencível Armada de Felipe II, de 1588. A ela, a Armada Conjunta, juntaram-se os reforços vindos de outras partes do Brasil: os de Salvador Correia de Sá que vieram do Rio de Janeiro e do Espirito Santo, e os de Jerônimo Cavalcante que deslocou-se de Pernambuco.
A impressionante formação, depois de 46 dias de travessia, desfraldou suas bandeiras e flâmulas de guerra em frente ao porto de Salvador justo no dia de Páscoa, em 29 de março de 1625. Ao mesmo tempo em que os navios coligados arremeteram para o interior da baía de Todos os Santos, as tropas infantes desembarcaram para por sitio à cidade. Diga-se que, logo depois da fuga do bispo D.Marcos Teixeira e com a prisão do governador Mendonça Furtado, coube ao prelado organizar a resistência. Enquanto a esquadra redentora do domínio ibérico não chegava, o bispo (que terminou falecendo em seguida, talvez de exaustão e tensão) montou nas proximidades de Salvador um arraial para dali fustigar os holandeses, impedindo-os de circularem tranqüilamente pelos arredores da cidade. O coronel van Dorth, o comandante da guarnição, foi abatido numa dessas tentativas de explorar os terrenos vizinhos, terminando por ser mutilado por um grupo de índios quando caiu numa emboscada montada por uns capitães portugueses. Enfim, depois de quase 30 dias de cerco, no dia 30 de abril de 1625, os representantes holandeses Wilhelm Stop, Hugo Anton e Francis Duchs, decidiram-se negociar com D. Fradique a rendição de todas as forças holandeses da Bahia. Os ocupantes puderam retornar suas tropas e os oficias conduzirem suas espadas em troca da promessa de, na viagem de volta a Holanda, não empunharem mais as contra os iberos. Acertados os demais detalhes, ocorreu a reocupação de Salvador, seguida de missa de agradecimentos.
A reconquista da Bahia (tela de Juan Bautista Maino, 1634) |
Enquanto no primeiro plano à esquerda, um pagem trata de pensar os ferimentos de um caído, sob os olhares de mulheres, crianças, e alguns civis, ao fundo à direita, D. Fradique, o generalíssimo da expedição de resgate, perante seus soldados ajoelhados em preces, aponta para o retrato do rei Felipe IV, lembrando aos presentes a iniciativa pessoal daquele soberano no resgate da cidade de Salvador, a quem portanto, todos devem erguer suas orações de agradecimento. Bem atrás, mais ao fundo. Num cenário de céu azulíssimo, descortina-se a frota conjunta luso-espanhola ocupando a baía de Todos os Santos. Essa tela comemorativa, denominada de "A Reconquista da Bahia", foi executa por encomenda a um frei-artista, chamado Juan Bautista Maino que a concluiu em 1634.
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